Wednesday, July 05, 2006

21. Linguagem proposicional e objetivação

Transformamos uma coisa em um objeto quando colocamos essa coisa diante de nós a uma certa distância, sem uma posição prévia de aceitar, negar, duvidar, etc. Isso somente pode ser feito por seres humanos. Para compreender como isso acontece, precisamos prestar atenção a uma característica central da linguagem humana. A linguagem humana é estruturada. Ela dispõe de uma estrutura do tipo sujeito-predicado que torna natural para nós falar das coisas: isso significa que para nós as coisas são objetos de predicação. Assim, na estrutura da linguagem, podemos verificar essa objetivação.
O ser humano não objetiva apenas as coisas, mas também a si mesmo. Nós fazemos de nós mesmos objetos de deliberação. Estamos fazendo um certo curso na Universidade, escolhido por nós. Um dia nos damos conta que não estamos nos sentindo bem naquele curso, e passamos a nos perguntar se devemos continuar. Da mesma forma podemos nos perguntar se queremos continuar com o hábito de fumar ou com o namoro ou com a cerveja ou com a preguiça de fazer exercícios. Nós nos colocamos em questão, em deliberação. Enfim, nos transformamos em objeto de nossa deliberação.
Isso é bom ou ruim, do ponto de vista da evolução? Ter essa capacidade de perguntar por razões é algo biologicamente com sentido? O que representa para a espécie humana essa capacidade de perguntar por razões? Não dispomos de um saber empírico seguro sobre como nossa espécie se desenvolveu. Nesse assunto podem ser feitas muitas hipóteses. Mas podemos ver com clareza que se uma espécie tem a capacidade de olhar para as coisas (para o mundo, para os outros e para si mesmo) a uma certa distância e perguntar-se pelas razões de fazer ou de acreditar nisso e naquilo, isso representa uma “vantagem dentro da evolução, pois implica um novo nível cognoscitivo que tem permitido o desenvolvimento do pensamento instrumental em grande escala. Da linguagem instrumental se entende que tem tido uma função biológica e, uma vez que surgiu, esta estrutura se estendeu por toda a vida humana.” Este parágrafo é quase uma transcrição da reflexão de Ernst Tugendhat, apresentada em Não Somos de Arame Rígido, Ed. Ulbra, 2002.

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